segunda-feira, 24 de maio de 2010

Ensaio "As Mulheres do Meu Pai" de José Eduardo Agualusa

Foto tirada por Jordi Burch em Lubango - Angola, 2005

BIOGRAFIA DO AUTOR

O sangue, o berço, a paisagem natal, a escola, os amigos e os inimigos, os amados e os amantes, o trabalho de cada dia, o sonho que se acalenta ou se estrangula, a confrontação com o tempo e com a eternidade… Ao fim a morte.
É fácil enumerar, mais coisa menos coisa, os elementos que compõem uma biografia, uma qualquer parte idêntica e sempre diversa história humana. Mais difícil por certo se torna averiguar em que medida cada um desses elementos pesou no destino de um artista, determinou ou pelo menos condicionou a sua criação. (Lemos, 1998:7)

José Eduardo Agualusa [Alves da Cunha] nasceu em Angola, mais concretamente na cidade de Huambo, no ano de 1960. Estudou em Lisboa Agronomia e Silvicultura, contudo, dedica-se plenamente ao acto de escrever, tendo publicado diversas obras – desde crónicas, peças de teatro e romances, os quais traduzidos em mais de uma dezena de idiomas e merecedores de vários prémios literários.
Vivenciou, enquanto jornalista, a guerra e todas as adversidades inerentes à mesma, no entanto, considera que o seu país não é hostil e associa as suas lembranças a uma liberdade outrora sentida.
Toda a luminescência presente na História e cultura, na música, nas magias, no amor, nas ilusões, nos sonhos e até na morte estão intrínsecos em Agualusa, o qual transpõe para as suas obras uma “realidade que tende a ser muito mais inverosímil do que a ficção”. (Agualusa, s.d. DN Online).
É aqui que cabe referir que José Eduardo Agualusa é um dos escritores que maior enaltecimento tem atribuído à presença e ao contributo do povo africano - não só no passado, mas também no presente, para a vida social e cultural portuguesa.


De modo a espelhar o que depreendemos com a leitura do romance As Mulheres do Meu Pai, de José Eduardo Agualusa, o presente ensaio foi transmutado em uma caixinha de música composta por uma melodia ilusória, contudo real, a quatro andamentos: I. “A existência de vários tempos”; II. “A presença da morte”; III. “O âmago do amor” e IV. “A vulnerabilidade da identidade”. Embora retratados de uma forma isolada, estes andamentos são complementares, pois reflectem uma mágica, através da qual nos sussurram: «Leve os sonhos a sério [...]. Nada é tão verdadeiro que não mereça ser inventado». (Agualusa, 2008: 382).
A Bailarina – autora da citação supra mencionada, embora emerja do silêncio, coordena esta caixinha de música e tudo aquilo por que é constituída, pois, não obstante a sua fugaz aparição, afigura a essência deste romance, constituindo assim, maioritariamente, a personagem referência. Com ela, Agualusa transpõe para as mulheres africanas um simbolismo mítico, associando-a a um ser com poderes de encantamento e sedução – a sereia, a qual transformava o âmago do amor em um aprisionamento silencioso.

Existe uma outra lenda. [...] um homem encontrou uma mulher [...]. Era tão bonita que ele se apaixonou [...]. A mulher olhou-o em silêncio. [...] despiu-se e entrou na água. O homem [...] seguiu-a. Então a mulher transformou-se numa sereia e devorou o homem. (Agualusa, 2008: 225-226).

É neste contexto simbólico que o autor compôs esta melodia, cabendo à Bailarina dançar uma « [...] particular coreografia. [...] sobre o sofrimento milenar da mulher africana». (Agualusa, 2008: 167, 41).
O romance As Mulheres do Meu Pai foi escrito aquando de uma viagem por vários países da África Austral, onde o escritor, uma cineasta sua amiga – Karen Boswall e um fotógrafo seu conhecido – Jordi Burch, se relacionaram para, através desta obra, captarem uma realidade que faz parte de uma “melodia instantânea”. Esta realidade acabou por formar um dueto com a ficção, tendo como resultado uma espécie de patchwork, onde «todas as histórias estão ligadas. No fim tudo se liga.» (Agualusa, 2004: 215). Com efeito, esta interligação constitui, a estratégia que Agualusa elegeu para revelar uma cultura enraizada e envolta numa verdade História um tanto ou quanto complexa. Ainda assim, é na percepção da realidade Histórica que desvendamos o factor humano.

A realidade aparece então como um equilíbrio sempre instável. [...] a História põe em evidência uma sucessão de oscilações, um movimento pendular entre o contínuo e o descontínuo, a estrutura e a função, a identidade dos fenómenos e a diversidade dos seres. (François Jacob citado por Vaz, 2007:113).

A Bailarina


















Andamento a andamento,
Desliza, envolta de magia,
Espelhando sonho ou tormento
A bailarina rodopia.
Tem na ponta dos pés a ilusão,
Numa melodia que é real
Une silêncios no seu interior,
De mão dada com a solidão
Atravessa o tempo na transversal
Acompanhada pela música e pelo amor.
(Liliana Zeferino, 2009)

BIOPOEMA



Liliana
Sonhadora, curiosa, responsável e tímida
Dizem que é simpática, criativa, divertida e amiga
Familiar de muitos, filha de Diamantino e Maria, irmã de Marco e Vanessa, namorada de Marco e tia de Nair
Gosta de desenhar, rir, viajar e dormir; gosta de gostar
Que sente sentimentos sentidos, frio e calor, por vezes vergonha, mas também felicidade e amor
Que precisa de música, ouvir, saborear, ver, cheirar, sentir, beijinhos e miminhos
Que tem medo de nada e de tudo, cobras e lagartos, alturas, invejas e maldades, nada ser e somente sobreviver
Que oferece o Presente, não o Passado ou o Futuro, sorrisos, amizade, chás e bolachinhas
Que gostaria de ver sem óculos, o invisível, menos violência, mais verdade, a imaginação, o sonho, a chave premiada do Euromilhões
Que quando acabar a Licenciatura quer reflectir no que alcançou numa festa com os familiares e amigos, continuar a estudar por mais uns aninhos, entretanto ter filhos e, claro, viajar
Que daqui a dez anos vai estar certamente mais velha, mas além disso será esposa, mãe, boa profissional e continuará a ser uma mulher de sonhos
Que o melhor momento que viveu foi o nascimento da sobrinha
Zeferino

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Explicação da Eternidade


devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim.

José Luís Peixoto, in "A Casa, A Escuridão"

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Um amor português em Londres

Ali estava eu em Londres na paragem agarrada ao cachecol, com "unhas e dentes", pois o frio de Inglaterra não é amigável.
Parece uma situação normal, porém o caricato da situação era eu não fazer a mínima ideia do destino.
Na noite anterior, após a ida maravilhosa ao teatro londrino, fui jantar ao restaurante italiano, com pratos especialíssimos a 21 libras e 12 pence cada.
No final do jantar, o empregado deu-me um guardanapo com um nome e um número de telefone dum desconhecido que estava na outra ala da sala.
Confesso-te que me senti a corar, mas simultaneamente lisonjeada, ele era um verdadeiro Deus; cumprimentei-o; acabei o café; paguei; lancei um olhar charmoso (tipicamente feminino) e saí.
No dia seguinte, desfrutando a vista do London Eye, lembrei-me daquela atitude destemida; com uma "pitada" de atrevimento: o guardanapo.
Ao deslumbrar o Thames, com os barcos a irem e virem, fiz uma analogia com a vida e pensei: só se vive uma vez, vou ligar.
Peguei no telefone; marquei o número. Imagina a língua que ouvi:
-Estou, boa tarde.
-Fala português?
- Sim, sou português, quem fala?
-Fala a pessoa à qual deu o número de telefone ontem, no restaurante italiano.
-Ah! Olá chamo-me Manuel. Desculpe-me a frontalidade, mas adoraria beber um chá consigo e mostrar-lhe a cidade. Aceita?
- Bem, dito assim, não resisto. Terá de ser num sítio público. Trafalgar Square?
- Combinado. O autocarro é o 19.
Voltando à paragem, enquanto esperava, fumei um cigarro e gastei uma carteira de fósforos com apenas dois fósforos.
Sentada no autocarro, encontrei o terço oferecido pela avó que me acompanhava nas viagens; rezei baixinho.
No destino, lá estava o Manuel à minha espera. Cumprimentámo-nos à portuguesa.
Seguidamente, bebemos o prometido chá numa esplanada próxima e visitámos os pontos turísticos de Londres.
Depois desse dia memorável - o primeiro de muitos - hoje ainda guardo o poema arrancado do livro oferecido pelo teu pai; o meu amado Manuel.

Santa Submissão


Regina é a única protecção que necessita; a Santa retira-lhe a angústia vespertina do "mau" vinho do marido, e protege-o no caminho de casa.

Entre as cinco e as sete, a vela arde para que a chegada seja antes do jantar:"[...] aos cinco para as cinco acende a vela, põe as mãos pedindo que ele chegue antes do jantar." (Jorge, [1997], 2002:486).

Respeitando o descanso merecido dos inquilinos: o aviador com horas perdidas; o médico que fez serão; os advogados entre a lei e a infracção; o recém-nascido com cólicas; o ancião que foi operado, a porteira canta silenciosamente com imensa doçura visando atingir o coração de Regina.

Contudo, se ele chegar de madrugada Regina torna-a invisível atrás das gaiolas, perdurando o silêncio.

Todavia, aqueles que prezam o silêncio às dez da noite, para dormir e vigilar no silêncio, decidiram "atentar" contra o seu casamento.

Quebrar o santo sacramento do matrimónio nunca fez parte do seu pensamento.

Como é que tal ideia passou pela cabeça daqueles moradores tão distantes do seu universo?

Quem é o advogado do quinto; o médico do segundo; a assistente social do terceiro para lhes tirarem a doçura deste amor?

A ligação entre um homem e uma mulher é um sacramento doce e inquebrável. É-lhes difícil perceber que a vida da mulher sem o homem é negra e solitária?

Não, para Lúcia, uma mulher nunca é um ser completo sem um homem.

Quem é que executaria as tarefas masculinas?

A porteira era submissa emocional e fisicamente porque o seu homem era bom; quando não bebia.

Porém, esse amor era-les desconhecido; assim ela nunca fomentaria esse sentimento anticristão: a separação.

Assim, numa madrugada silenciosa o marido acendeu a vela; ateou-a e Lúcia ficou a crepitar à porta do advogado, pois Regina assim o quis.

Finalmente, a libertação chegou: Rex e Regina acompanharam-na e o seu vale de lágrimas terminou.

Um Algarve Desconhecido


Escrever para criticar destrutivamente o Algarve já é cliché.

Contrariamente, reescrevi as críticas ao meu Algarve com um extremo orgulho algarvio.

Apresentarei um Algarve desconhecido aos "bimbos" que nos vistam no interminável mês de Agosto.

A cidade onde nasci - Olhão - conta a história de gente do campo e do mar unida para expulsar as tropas de Napoleão, protegendo o país e a identidade algarvia.

Após esta expulsão corajosa, esta gente atravessou o Atlântico no humilde caíque Bom Sucesso, levando a boa nova ao Rei D. João VI, exilado no Brasil.

Aquém das praias, injustamente apelidadas de sujas e com um mar de cartão, existe um barrocal desconhecido: a verde, limpa e autêntica Serra de Monchique; as pitorescas aldeias de Querença, Alte e Salir "plantadas" neste Sul emoldurado de cal.

Neste barrocal, ao invés da rechinante sardinha, podemos degustar o chouriço caseiro acompanhado do copito de medronho.

Contrastando a impessoalidade uniforme da hotelaria apresento-vos a indústria que não influencia as estatísticas do emprego sazonal: a conserveira - economia desconhecida pelos veraneantes.

O apanágio de viver na "cauda" da Europa permite-nos desfrutar das praias no Inverno e usufruir de uma liberdade invernosa; tipicamente algarvia.

Também me alegra imenso o emergir da cultura de Inverno:teatro, revista e noites de Ópera.

No contexto cultural, aplaudo e louvo igualmente os algarvios famosos: a escritora Lídia Jorge, o prosador Manuel Teixeira Gomes e o poeta António Aleixo que escreveram, e escrevem, puro português; sem estrangeirismos.

Porém, a nossa qualidade de vida é "abalroada" no Verão quando nacionais e estrangeiros invadem esta região e plastificam-na. Nesse período, se possível migraríamos para o Norte do país.

Se passar férias no Algarve não vos deleita porquê continuar o massacre?

Ó Algarve ladrilhado de bonitos adjectivos, não és, nem nunca serás de plástico ou de cartão.

Nota: Se ao ler este texto continua a criticar o Algarve, aconselho o desembarque na Cuba de Fidel.